Durante muito tempo você foi o queridinho do chefe e todas as suas ideias eram extremamente bem-vindas. Algumas eram até aplaudidas, pois sempre chegavam num momento em que a sua área estava sob a mira da diretoria e, graças a uma nova ideia - sua, é óbvio, afinal, você ama o trabalho e não pensa em outra coisa - seu diretor sobreviveu e você também, embora ele tenha copiado sua ideia descaradamente. Ele até falou em off para você: "fique tranquilo, estamos juntos nessa".
Entretanto, de um tempo para cá, seu chefe anda meio abatido e, por alguma razão, adivinhe: ele se tornou menos acessível e evita olhar nos seus olhos, ainda que a conversa entre vocês seja inevitável. De fato, ele sempre arranja tempo para todo mundo, inclusive para os seus subordinados, menos para você. Quando você parte para o contra-ataque e decide arrancar aquele tão esperado feedback, recebe o misterioso chavão: "hoje não dá, conversaremos mais adiante, quando chegar a hora".
Resignado, você volta para a mesa de trabalho e continua firme de frente para o micro quando aparece a secretária com aquele sorriso sarcástico, acompanhado de notícia ruim: "o chefe disse que o relatório está uma porcaria e se você não tem condições de fazer algo melhor, avise". No fundo você quer pegá-lo pelo pescoço e atirá-lo do décimo andar - o relatório, não o chefe -, porém aguenta firme, olha para o relógio e pensa positivamente: "bom, são apenas 19 horas, posso ficar um pouco mais e dar um jeito nisso ainda hoje".
O dia termina e você vai para casa, abraça a esposa, dá um beijo nas crianças e, obviamente, todos notam que você não está feliz, embora disfarce com aquele sorriso amarelado para não trazer mais preocupação do que o necessário. No entanto, você lembra que é humano e as emoções, positivas ou negativas, são parte integrante da natureza humana.
Enquanto todos dormem, você passa a noite absorvendo as grandes lições de "Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas", do inesquecível Dale Carnegie, à medida que sua consciência trabalha desesperadamente para mudar de ideia: "não é comigo, eu mereço ser feliz, vai passar. Deus é pai. Eu me amo, eu me aprovo, adoro meu chefe, eu sou bom, meu nome é trabalho". E tantos outros mantras que você se propõe a repetir durante o trajeto de casa para o trabalho, a fim de se sentir confiante e mais animado para o dia seguinte, afinal, chefe também tem lá o seu inferno astral e, se Deus quiser, amanhã será mais tranquilo.
Ao chegar ao estacionamento você percebe que sua vaga está muito bem ocupada por outro veículo. Por certo, algum desavisado deve ter colocado o carro no seu lugar. Ao consultar o vigia, ele sorri e delicadamente sugere que você estacione em outro local. Você esbraveja, elogia a mãe do chefe, que nada tem a ver com isso, e segue normalmente para a entrada do edifício depois de caminhar mais de duzentos metros debaixo de chuva, entretanto, o importante é ter chegado no horário.
Pacientemente, depois de espremer a água da barra da calça no cesto de lixo, você liga o micro e percebe que a senha de acesso foi alterada sem o seu conhecimento. Depois de algumas justificativas sem pé nem cabeça por parte do pessoal da informática, alguém decide liberar uma senha provisória, enquanto você tenta convencer a si mesmo que a mesma foi digitada incorretamente três vezes, é óbvio, portanto, o computador foi bloqueado.
Aos poucos você se deu conta de que um dos subordinados não está na sala e ao perguntar por ele, outra decepção. Acredite ou não, ele foi convidado para uma reunião com o seu chefe. "Mas como?" Você vai tirar satisfações com a secretária e questiona o fato de não ter sido convocado. A resposta está na ponta da língua: "você não estava na sala e chefe não pode esperar". De qualquer forma, você sugere participar da reunião e é imediatamente barrado pela primeira dama da empresa: "nem pensar, my friend, você não foi convidado".
Quando a reunião termina você está no banheiro e, por coincidência, entra o chefe, cantarolando. A fim de aproveitar a presença do magnânimo, você dispara: "chefinho, da próxima vez eu quero ser chamado para a reunião, afinal, ainda sou o responsável pelo departamento, ou não sou?". Outra resposta, ou melhor, outra pergunta cruel: "por acaso você está querendo me desafiar?".
De fato, você se convence de que a situação não é boa. Há tempos você está se sentindo isolado, tem almoçado sozinho, os colegas não são mais os mesmos e você é o último a tomar conhecimento dos fatos. Aliás, faz tempo que você não recebe uma nova missão e suas ideias são literalmente engavetadas. No sábado houve mais um churrasco na casa do chefe e você não foi convidado nem para lavar os espetos. Para completar, a apenas um ano da aposentadoria, você foi convidado a trabalhar no interior do Acre, com direito a 3% de aumento. Mudança por sua conta, é claro. Todo encontro com o chefe desperta um sentimento profundo de depressão e a certeza de que o amanhã nunca será como antes.
Qualquer um dos fatos mencionados exala um cheiro inconfundível de fritura exposta no ar. Fritura é uma maneira deselegante, cruel, desleal, por vezes criminosa, de as empresas eliminarem alguém do mundo corporativo. Digamos que é uma espécie de BBC - Big Brother Corporativo -, onde o chefe passa a te odiar, por alguma razão, e os colegas te invejam, mas dizem que te amam e torcem por você, apenas para se proteger, ficar com a sua vaga e livrar-se do próximo "paredão".
A expressão fritura é ligeiramente grotesca, mas continua em voga na maioria das corporações, públicas e privadas, apesar dos generosos investimentos em treinamento e desenvolvimento de lideranças. Está diretamente associada à falta de transparência e de respeito pelo ser humano. A demissão pura e simples soa mais prática e menos dispendiosa, para ambos os lados.
Se um dia ocorrer contigo, não esmoreça e lute até o fim. Existem várias maneiras de se defender e amenizar o calor da fritura, embora na maioria dos casos o desfecho seja irreversível. Quando a situação lhe parecer insustentável, faça um favor a si mesmo e tome a atitude mais louvável que alguém pode tomar numa situação como essa: mude enquanto é tempo. Existem inúmeras empresas onde a sua energia, o seu tempo e o seu talento serão melhor aproveitados.
Por fim, as palavras de Albert Camus, escritor e filósofo francês, são muito apropriadas para encerrar o tema: "...não existe dignidade no trabalho quando nosso trabalho não é aceito livremente". Pense nisso e seja feliz.