sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Você é HANDS ON?



Vi um anúncio de emprego. A vaga era de gestor de atendimento interno, nome que agora se dá à seção de serviços gerais. E a empresa contratante exigia que os eventuais interessados possuíssem - sem contar a formação superior, liderança, criatividade, energia, ambição, conhecimentos de informática, fluência em inglês e não bastasse tudo isso, ainda fossem "HANDS ON".

Para o felizardo que conseguisse convencer o entrevistador de que possuía mesmo essa variada gama de habilidades, o salário era um assombro: R$ 800,00 Reais. Ou seja, um pitico. Não que esse fosse algum exemplo absolutamente fora da realidade. Pelo contrário, ele é quase o paradigma dos anúncios de emprego atuais. A abundância de candidatos está permitindo que as empresas levantem, cada vez mais, a altura da barra que o postulante terá de saltar para ser admitido.

E muitos, de fato, saltam. E se empolgam. E aí vêm as agruras da superqualificação, que é uma espécie do lado avesso do efeito pitico...

Vamos supor que, após uma duríssima competição com outros candidatos tão bem preparados quanto ela, a Fabiana conseguisse ser admitida como gestora de atendimento interno.

E um de seus primeiros clientes fosse o seu Borges, gerente da contabilidade:

- Fabiana, eu quero três cópias deste relatório.

- In a hurry!


- Saúde.


- Não, isso quer dizer "bem rapidinho". É que eu tenho fluência em inglês.


- Aliás, desculpe perguntar, mas por que a empresa exige fluência em inglês se aqui só se fala português?


- E eu sei lá? Dá para você tirar logo as cópias?


- O senhor não prefere que eu digitalize o relatório? Porque eu tenho profundos conhecimentos de informática.


- Não, não... Cópias normais mesmo.


- Certo. Mas eu não poderia deixar de mencionar minha criatividade. Eu já comecei a desenvolver um projeto pessoal visando eliminar 30% das cópias que tiramos.


- Fabiana, desse jeito não vai dar!


- E eu não sei? Preciso urgentemente de uma auxiliar.


- Como assim?


- É que eu sou líder, e não tenho ninguém para liderar. E considero isso um desperdício do meu potencial energético.


- Olha, neste momento, eu só preciso das três cópias...


- Com certeza. Mas antes vamos discutir meu futuro...


- Futuro? Que futuro?


- É que eu sou ambiciosa. Já faz dois dias que eu estou aqui e ainda não aconteceu nada.


- Fabiana, eu estou aqui há 18 anos e também não me aconteceu nada!


- Sei. Mas o senhor é "HANDS ON"?


- Hã?


- "HANDS ON". Mão na massa.


- Claro que sou!


- Então o senhor mesmo tira as cópias. E agora com licença que eu vou sair por aí explorando minhas potencialidades. Foi o que me prometeram quando eu fui contratada.



Então, o mercado de trabalho está ficando dividido em duas facções:

1 - Uma, cada vez maior,é a dos que não conseguem boas vagas porque não têm as qualificações requeridas.

2 - E o outro grupo, pequeno, mas crescente,é o dos que são admitidos porque possuem todas as competências exigidas nos anúncios, mas não poderão usar nem metade delas, porque, no fundo, a função não precisava delas.

Alguém ponderará - com justa razão - que a empresa está de olho no longo prazo: sendo portador de tantos talentos, o funcionário poderá ir sendo preparado para assumir responsabilidades cada vez maiores. (E a longo prazo, para seleção interna a pontuação para os empregados mais antigos é menor e se tiver beneficio da previdência - ou seja, aposentadoria, está fora!!!!).

Em uma empresa em que trabalhei, nós caímos nessa armadilha. Admitimos um montão de gente superqualificada. E as conversas ficaram de tão altonível que um visitante desavisado que chegasse de repente confundiria nossa salinha do café com o auditório da Fundação Alfred Nobel.

Pessoas superqualificadas não resolvem simples problemas!

Um dia um grupo de marketing e finanças foi visitar uma de nossas fábricas e no meio da estrada, a van da empresa pifou.

Como isso foi antes do advento do milagre do celular, o jeito era confiar no especialista, o Cleto, motorista da van. E aí todos descobriram que o Cleto falava inglês, tinha noções de informática e possuía energia e criatividade.

Sem mencionar que estava fazendo pós-graduação. Só que não sabia nem abrir o capô.

Duas horas depois, quando o pessoal ainda estava tentando destrinchar o manual do proprietário, passou um sujeito de bicicleta. Para horror de todos, ele falava "nóis vai" e "a gente fazemos" coisas do gênero. Mas, em 2 minutos, para espanto geral, botou a van para funcionar.

Deram-lhe uns trocados, e ele foi embora feliz da vida. Aquele ciclista anônimo era o protótipo do funcionário para quem as empresas modernas torcem o nariz:

O que é capaz de resolver, mas não de impressionar.
 
Por Max Gehringer (Colunista Revista EXAME)