Relembro um tema que é velho conhecido do varejista no Brasil. Em qualquer uma das situações, ruptura ou excesso, o varejista sai sempre perdendo. No excesso, há baixo giro, o que impacta diretamente na margem do negócio. Na ruptura, o produto não está disponível para ser comprado. Há perda da possível venda e, o que é pior: o cliente sai da sua loja e entra no concorrente.
Algum atendente já deve ter lhe perguntado no caixa do supermercado se você procurou por algum produto e não achou. Essa é uma das maneiras que alguns varejistas encontram para identificar e registrar o que o consumidor procurou e não encontrou no estabelecimento. É
uma prática antiga, desde o tempo em que o dono do estabelecimento não sabia exatamente o que comprar para atender os seus clientes, e ainda muito usada hoje em dia por grandes redes varejistas no Brasil, mesmo que hoje já haja uma série de técnicas modernas usadas para identificar e entender as necessidades dos clientes.
Com tantas técnicas, metodologias e tecnologias modernas sendo usadas, a ruptura e o excesso teimam em acontecer.
Será possível eliminá-los, ou pelo menos minimizá-los?
É possível já indicar algumas causas, como falta de acuração na previsão de vendas, escolha errada no sortimento da loja, ou processo ineficiente na execução da previsão.
Baixa qualidade da previsão de vendas
Em primeiro lugar, cada um faz a sua própria previsão e esquece de contá-la para os demais participantes da cadeia. Internamente podemos encontrar diferentes números: um número para a equipe de vendas, um número para área financeira e um número para o chefe. As
diferenças dependem do grau de desconfiança interna. Para a força de vendas, a meta é sempre maior – afinal, o vendedor precisa de desafios.
Para a área financeira, os números devem ser conservadores: é mais fácil explicar números maiores do que menores. E, para o chefe, devem ser ainda muito mais conservadores.
Com tantos números diferentes, qual será usado para comprar, produzir e definir os recursos críticos?
Algumas questões podem ajudar a entender a origem da baixa qualidade da previsão de vendas.
Quem possui a melhor a informação?
Esta informação é compartilhada ou é guardada para garantir poder de negociação?
Quem participa das decisões sobre a aprovação dos planos?
Se o produto não girar, quem paga a conta?
Escolha errada do sortimento da loja
O sortimento é o número de SKUs (Stock Keeping Units, ou itens de venda) que serão vendidos dentro de uma categoria. A profundidade do sortimento está relacionada com o conceito da loja. Lojas especializadas tendem a buscar o maior sortimento de itens de uma categoria, enquanto uma loja de departamento precisa ter um número mínimo de itens de diversas categorias.
Muito embora os conceitos sejam válidos, não há varejista que não queira ter nas suas prateleiras o melhor e mais completo sortimento e, principalmente, que o giro seja alinhado com suas expectativas de margem, embora muitas vezes haja falta de espaço físico. Em qualquer sortimento, a teoria de Pareto (80/20) é sempre válida: normalmente 20% dos itens são responsáveis por 80% das vendas.
Tomando esta regra como verdade, como a cadeia e o varejista se preparam?
Normalmente, o modelo mental leva os planejadores a aumentar os estoques nos itens com maior volume de vendas e reduzir o restante. Este pensamento parece uniforme em toda a cadeia. Mas este paradigma influencia diretamente na ocorrência de ruptura e excesso. O mesmo modelo se aplica à estrutura de estoque: geralmente, os planejadores dedicam 80% aos itens que mais giram, e 20% para os que menos giram. Isso parece lógico, mas pode causar a ruptura justamente nos itens de menor giro. No outro caso, dos produtos com maior giro, é preciso fazer com que esse produto esteja em contínuo movimento na cadeia.
Processo ineficiente de execução da previsão
Decidida a previsão de vendas, então começa o pesadelo da execução. Normalmente o processo é executado em blocos: negociações de compra, produção e venda, entregas e abastecimento, e o consumo. Todos buscam ganhos de escala. São processos estanques – cada departamento que faz parte do sistema muitas vezes não enxerga o todo. E o todo, neste caso, é garantir que o cliente seja bem atendido, que o produto esteja disponível na hora certa, com o preço certo.
Vamos analisar o processo do pedido até a disponibilidade do item na loja para venda. Sem pedido não há faturamento. O faturamento tem horário: se chega após uma determinada hora, em que já houve o fechamento, um dia foi perdido - e só será possível faturar esse pedido no dia seguinte. Faturamos e agora temos que sincronizar nossa entrega com o recebimento na Central de Distribuição do varejista. Quase sempre há horários e janelas para isso.
Com os itens disponíveis no distribuidor, é preciso enviar para as lojas, afinal de contas é lá e somente lá que as vendas acontecem.
O quê e quanto enviar para loja?
Para preencher as rupturas, é preciso que cheguem o quanto antes. Somando todos os pontos de controle e decisão, e da falta de informação, os leadtimes que fizeram parte da previsão não são válidos.
Beer game
Um jogo desenvolvido pelo MIT (Massachusetts Institute of Tecnolgy - http://beergame.mit.edu/ ) ajuda a mostrar aos participantes de cadeias de suprimentos como interpretações erradas de alguns fenômenos inerentes ao processo podem causar grandes problemas de alocação de recursos sem necessidade. Também no livro A Quinta Disciplina (Peter Senge) há um case teórico do “Beer game – Jogo da Cerveja” que ilustra com muita propriedade essas distorções.
Há soluções para rupturas e excesso?
Sim, e também há algumas técnicas e processos que podem ajudar a melhorar a qualidade das previsões e a confiança entre os participantes da cadeia que tomam decisões e os que as executam.
Para finalizar, vamos abordar o tema “planejamento colaborativo”, que é conhecido pela sigla em inglês CPFR (Collaborative Planning, Forecasting and ReplenishmenT). A colaboração parece algo natural, porém não é bem assim. Para colaborar efetivamente com alguém é preciso estar aberto a trocar informações, buscar objetivos e metas comuns, avaliar resultados e então dividir ganhos e prejuízos, e não buscar culpados. É um processo de desenvolvimento de conhecimento e quebra de paradigmas, porém os ganhos são compensadores.
Há muita coisa escrita sobre o tema, porém são poucos os exemplos reais de implantação do planejamento colaborativo no Brasil. Nos Estados Unidos há uma associação que trata do assunto de forma bastante competente – VICS(Voluntary Interindustry Commerce Solutions) www.vics.org .
Em síntese, as empresas passaram a abrir e trocar as informações-chave para preparar as previsões e planos de execução, melhorando a tomada de decisão. Os fatores críticos de sucesso formam um compromisso das pessoas em participar e priorizar a alocação de recursos para o processo, alteração da forma e da freqüência de análise de resultados. A tomada de decisão é feita em um sistema baseado no conceito web services, que garante a eficiência operacional da troca, tratamento e análise das informações em curto espaço de tempo, mesmo com grandes volumes de dados. Em um curto espaço de tempo é notória a evolução das pessoas envolvidas e a motivação das mesmas devido à efetivação dos resultados acima das metas definidas.